Quem começa a seguir o caminho maçônico logo nota que ele é definido por contrastes. Isso se manifesta não apenas nos rituais, mas na própria forma como a Maçonaria nos direciona a olhar o mundo e a nós mesmos. A ideia de dualidade, dessa tensão contínua entre opostos – luz e sombra, força e forma, razão e emoção – é central.
O Espaço Simbólico: Colunas e Pavimento
Ao entrar numa Loja Maçônica, mesmo sem conhecer todos os significados, nota-se que o espaço comunica algo. Pensemos nas duas colunas que marcam a entrada, conhecidas como Boaz e Jachin. Uma parece ligada à força, talvez uma força mais controlada, interna; a outra à firmeza, à capacidade de estabelecer, de construir no mundo. Estão ali, lado a lado, como a indicar: nenhuma das duas é suficiente sozinha. É preciso unir força e estabilidade para que algo que dure possa se erguer.
E o chão? O piso em quadrados pretos e brancos, conhecido como pavimento mosaico. É quase impossível não associá-lo aos altos e baixos da vida, às alegrias e tristezas, aos acertos e erros que todos vivemos. Caminhar sobre ele é um lembrete contínuo: a vida é feita desses contrastes. O entendimento profundo não está em tentar pisar apenas nos quadrados brancos, mas em aprender a andar com equilíbrio sobre todo o desenho.
A Orientação da Loja: Da Sombra à Luz
Até a disposição da sala tem uma razão de ser. Há uma direção definida, um movimento que vai do local de entrada, no Ocidente, para a luz principal, no Oriente. O Aprendiz geralmente permanece numa área ligada a menos luz, o Norte, representando o início da busca. É um mapa discreto do nosso próprio crescimento: uma caminhada gradual partindo da sombra da ignorância para a luz do entendimento.
A Origem Filosófica da Dualidade
Por que essa recorrência dos opostos? A filosofia presente na Maçonaria indica que a própria existência, o mundo como o conhecemos, pode ter se originado de uma separação, de uma polarização a partir de uma Unidade original e indivisível. A variedade que vemos seria resultado dessa tensão inicial entre princípios contrários. Se essa ideia for considerada, então a dualidade não seria um defeito do mundo, mas sua condição básica.
Desse modo, o trabalho maçônico não seria direcionado a lutar contra essa tensão, mas a aprender a lidar com ela. Entender que forças como atividade e passividade, espírito e matéria, luz e sombra, têm cada uma seu papel. Não se busca escolher um lado e rejeitar o outro, mas compreender como se relacionam e procurar um ponto de harmonia. É um convite a olhar além das aparências de conflito e buscar a complementaridade. Essa visão tem semelhanças em muitas linhas de pensamento antigo, mas a Maçonaria a aplica de forma muito específica ao nosso crescimento ético e pessoal.
O Trabalho Interno: A Pedra e as Ferramentas
Tudo isso se direciona para o trabalho mais relevante: aquele que fazemos dentro de nós. Reconhecemos bem a luta interna entre nossos princípios e nossos impulsos, entre a razão que tenta nos guiar e as emoções que habitualmente nos movem de forma descontrolada. A Maçonaria oferece símbolos como o esquadro, para nos lembrar da retidão e da justeza, e o compasso, para nos ajudar a colocar limites em nossos desejos e paixões. Funcionam como ferramentas para essa construção interna, para aprendermos a nos governar.
A imagem da pedra bruta e da pedra polida é outro exemplo nítido. Chegamos como pedras em estado natural, com potencial, mas também com irregularidades. O objetivo é nos trabalharmos, nos polirmos, para nos tornarmos mais úteis, mais ajustados a um propósito maior. É um processo contínuo, que reconhece que sempre haverá algo a melhorar, que a tensão entre o que somos e o que podemos ser é o que impulsiona nosso crescimento.
A Busca pela União Harmônica
Mesmo que haja todo o foco na dualidade, a Maçonaria não termina aí. Ela aponta para algo além. A presença do número três em tantos símbolos relevantes (o triângulo, as três luzes no altar) indica a busca por uma combinação harmônica, por um ponto de equilíbrio que vá além da simples oposição. O três habitualmente representa a harmonia que pode surgir da tensão entre dois polos.
Na prática, isso se reflete num convite a buscar o "caminho do meio". Não um caminho de falta de vigor, mas de equilíbrio dinâmico. É a arte de ponderar, de não se deixar levar por extremos, de unir as diferentes partes de nós mesmos e de nossas vidas.
E, talvez, no horizonte mais distante dessa busca, a Maçonaria acene para a ideia de que toda essa dualidade que vivemos se apoia sobre uma Unidade básica. Que, por trás de todas as diferenças e oposições, há um princípio unificador. Alcançar essa visão pode ser o resultado final do trabalho de equilibrar os opostos em nossa própria vida.