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O Universo na Sua Mente

O Universo na Sua Mente - Malhete Universal
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Dentro das várias linhas de pensamento místico e filosófico, a cultura hermética apresenta um conjunto de ideias com longa história. Ligada à figura de Hermes Trismegisto, ela procura examinar questões profundas sobre a existência e o universo. Um texto relevante do início do século XX, "O Kybalion", publicado em 1908 e atribuído a "Três Iniciados", procurou apresentar um resumo das ideias básicas do Hermetismo. Este livro articula Sete Princípios que descreve como leis gerais que regem a realidade em seus diferentes níveis.

O primeiro e mais básico desses princípios é o do Mentalismo, expresso na afirmação: "O TODO é MENTE; o Universo é Mental". Esta declaração serve como a base sobre a qual os outros seis princípios se apoiam. Por isso, examinar o significado e as consequências desta afirmação é um passo necessário para o entendimento desta linha de pensamento.

O Conceito de "O Todo" e a Natureza Mental do Universo

A afirmação "O TODO é MENTE" descreve a natureza daquilo que seria a base de toda a existência. Dentro do pensamento hermético apresentado n'O Kybalion, "O Todo" representa a realidade última, a verdade por trás de tudo que aparece e se mostra. É apresentado como a totalidade que inclui tudo; nada pode existir fora d'Ele. Disso decorre que O Todo precisa ser Infinito (sem limites de tempo, espaço ou capacidade) e Absoluto (sem nada externo que O defina ou limite).

Ainda que a natureza profunda d'O Todo seja considerada fora do alcance do conhecimento e da definição pela mente humana limitada, o Hermetismo O descreve como uma Mente Viva, Infinita e Universal. O universo que notamos, com sua variedade e aparente complexidade, é entendido como uma Criação Mental d'O Todo, existindo inteiramente dentro dessa Mente Cósmica. O contexto sugere que "vivemos, nos movemos e temos nosso ser" nessa Mente. Essa criação é vista não como um evento passado, mas como um processo contínuo de aparecer e apoio mental.

Uma consequência dessa visão é que eventos mentais e psíquicos, que visões puramente materialistas podem colocar à margem, encontrariam um lugar lógico dentro da estrutura hermética. Se a base da realidade é mental, a mente não seria um mero produto secundário da matéria, mas talvez a própria origem da existência. Matéria e energia seriam, nesse cenário, formas secundárias de manifestação, dependentes da Mente.

A ideia de O Todo ser Mente e, ao mesmo tempo, ser a totalidade onde o Universo é criado pode parecer conter uma concultura. Se O Todo é Tudo, como pode haver uma "criação" (que sugere diferença entre criador e criado) "dentro" Dele? Uma possível abordagem para essa questão é entender "Mente" como a melhor descrição disponível na linguagem humana para uma Realidade última que seria una, consciente e criadora. A "criação" não seria uma separação, mas uma expressão própria, uma modificação dentro da Base Infinita d'O Todo, parecido com o modo como pensamentos surgem em uma mente sem se separarem dela. O Universo seria, desse modo, O Todo se mostrando de forma relativa e condicionada, sem perder Sua unidade básica. Isso diferencia o Mentalismo de um simples dualismo mente-matéria, aproximando-o de visões como o monismo idealista ou o panenteísmo.

Diálogo com o Idealismo Filosófico Ocidental

A afirmação hermética de que a realidade básica é mental encontra pontos de contato com o Idealismo na filosofia ocidental, que também dá prioridade à mente ou às ideias na formação da realidade. Uma comparação com George Berkeley e Immanuel Kant ajuda a clarear semelhanças e diferenças.

  • George Berkeley (1685-1753) propôs o imaterialismo, resumido em "Ser é ser percebido". Para ele, objetos existem ao serem percebidos por um espírito. A regularidade do mundo natural viria da percepção constante de uma Mente infinitamente mais forte: Deus. A semelhança com o Mentalismo está na ideia de uma base mental para a realidade e uma Mente Maior (Deus ou O Todo) que a apoia. Ambos negam que a matéria exista por si só como base principal. As diferenças são relevantes: O Todo hermético é descrito como não pessoal e, no fim, impossível de conhecer, diferente do Deus pessoal e ativo de Berkeley. Também, a filosofia de Berkeley tinha um objetivo claro de defesa da fé, um foco teológico menos explícito no Kybalion.

  • Immanuel Kant (1724-1804), com seu Idealismo admirável, realizou uma "Mudança Copernicana": os objetos precisam se conformar às estruturas da mente humana para serem conhecidos. A mente, com suas estruturas próprias (espaço, tempo, categorias como causalidade), organiza ativamente os dados dos sentidos, formando a experiência compreensível. Ele diferenciou o mundo como o notamos (o evento aparente) do mundo como ele pode ser em si ("coisa-em-si"), que permaneceria fora do alcance do nosso conhecimento. A semelhança com o Mentalismo está no papel ativo da mente na formação da realidade experimentada. A diferença muito importante é que Kant ainda afirma a existência de uma realidade da "coisa-em-si" independente da mente, mesmo que não possamos conhecê-la. O Mentalismo parece ir além, afirmando que a própria base por trás do evento aparente é de natureza mental, não estabelecendo a mesma separação entre sujeito e objeto, mas vendo ambos como partes de uma única Realidade Mental. A matéria, nessa leitura, seria a Mente Universal se mostrando em um estado de vibração mais denso.

É bom lembrar que ideias de uma consciência básica por trás da existência e questionamentos sobre a solidez final do mundo material também aparecem em hábitos filosóficos orientais (como em conceitos de não-dualidade, Maya e Brahman no Hinduísmo), indicando uma investigação recorrente em diferentes culturas sobre a relação entre mente e realidade.

A Mente Humana como Reflexo e Agente

Se o quadro geral (Universo) é entendido como Mental, originado no Todo, então o quadro individual (o ser humano) mostraria essa mesma natureza. A mente humana não seria vista como isolada, mas como uma parte que pertence, uma mostra individualizada da Mente Universal. Essa ligação forma a base para entender a capacidade de ação do pensamento individual.

Se o Universo opera por leis mentais, a mente humana, sendo da mesma natureza, participaria desse movimento. Pensamentos, crenças e estados emocionais não seriam apenas respostas a estímulos externos, mas energias atuantes com capacidade de formar a experiência pessoal da realidade. O Kybalion refere-se a isso como "Mudança Mental": a arte de alterar os próprios estados mentais e, por isso, a própria experiência, através da capacidade focada da atenção e da vontade.

Uma ideia ligada, presente em algumas leituras alinhadas ao Hermetismo, é a das "Formas de Pensamento". Cada pensamento geraria uma forma de energia no nível mental com características correspondentes à sua natureza (força, nitidez, peso emocional). Essas formas poderiam afetar o estado interno e, talvez, o ambiente e outras mentes, além de tenderem a retornar à origem, fortalecendo padrões de pensamento. Isso destaca a importância atribuída ao tipo de pensamentos mantidos.

Esse entendimento implica uma grande responsabilidade pessoal. Se a mente participa na formação da experiência e os pensamentos têm capacidade de causar efeitos, a visão de ser apenas um sofredor passivo das situações externas é questionada. O Princípio do Mentalismo sugere reconhecer a capacidade de agir na formação da realidade pessoal vivida. Isso requer um esforço interno constante: observar a si mesmo para reconhecer padrões mentais comuns, o rigor para direcionar pensamentos para objetivos escolhidos e a disposição para aceitar a responsabilidade pela qualidade da vida interna. O foco não seria um controle total sobre eventos externos, mas sobre a reação mental e emocional a eles, o que, por sua vez, influencia o modo de ver e as escolhas feitas.

Comparações para Clarificar a Ideia

A noção de um universo basicamente mental pode ser difícil de visualizar para uma mente acostumada a modelos materialistas. Algumas comparações podem ajudar:

  • Universo como Sonho: Compara-se o universo a um sonho na Mente do Todo. Como em um sonho humano, o ambiente parece real para quem está dentro, mesmo sendo uma criação mental e passageira do ponto de vista de fora do sonho.

  • Realidade como Simulação: Uma comparação mais atual vê o universo como um grande sistema de dados ou consciência. As leis físicas seriam as regras de funcionamento, e a Mente Universal, a consciência por trás que roda o programa. Indivíduos seriam como usuários ou personagens virtuais nesse espaço. Ajuda a imaginar como algo que parece físico pode ter uma base não material.

  • Efeito Placebo/Nocebo: Melhorias de saúde pela crença em tratamentos sem efeito (placebo) ou pioras pela expectativa negativa (nocebo) mostram em nível individual como um estado mental pode gerar mudanças corporais e no modo de notar reais.

  • Processos Psicológicos: A psicologia cognitiva mostra que o modo como vemos a realidade é uma criação ativa. Tendências como a de confirmação, a atenção escolhida e a previsão que se cumpre sozinha demonstram em pequena escala como estados mentais selecionam, leem e formam a realidade que notamos e com a qual lidamos.

Essas comparações, mesmo não sendo perfeitas, servem como ligações de ideias, ajudando a pensar na possibilidade de uma realidade cuja natureza vá além da aparência material.

Consequências Práticas Sugeridas

A filosofia hermética, incluindo o Mentalismo, é habitualmente apresentada não só como teoria e sim como conhecimento com aplicações para a vida. Entender que "Tudo é Mente" levaria a uma mudança de ponto de vista: de se ver como simples resultado de forças externas para se ver como alguém que participa na criação da própria experiência vivida.

Isso sugere a importância de certas práticas para desenvolver maior consciência e direcionamento mental:

  • Autognose e Exame Mental: Observar com atenção os próprios pensamentos, emoções e crenças habituais sem julgamento apressado. Separar pensamentos próprios de possíveis influências externas ou respostas automáticas. Questionar crenças que limitam.

  • Técnicas de Foco: Práticas que buscam acalmar a corrente de pensamentos e observar a natureza da mente podem ser úteis. Focar na respiração ou em sensações corporais ajuda a firmar a atenção no momento atual.

  • Controle da Mente e Rigor: O Mentalismo indica que a mente pode ser guiada. Isso pede esforço consciente para desenvolver a concentração e escolher focar em pensamentos considerados úteis e alinhados aos próprios objetivos, sem se deixar levar por estados mentais negativos ou confusos.

  • Atenção ao Momento Presente: Estar presente na experiência atual, sem se prender a pensamentos sobre o passado ou preocupações sobre o futuro, é visto como uma aplicação do direcionamento mental. A atenção ao presente fortaleceria a conexão com a própria base interna.

Essas práticas derivam da ideia central de que, sendo o universo de natureza mental, a gestão da própria mente é um ponto chave na forma como se vive a realidade.

 

Fonte de estudos:

O Kybalion. Atribuído aos Três Iniciados. Publicado originalmente em 1908. 

Fontes Filosóficas:

George Berkeley: Obras relevantes incluem Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano (1710) e Três Diálogos entre Hilas e Filonús (1713).

Immanuel Kant: Obra principal relevante é a Crítica da Razão Pura (1781/1787).

Outras Fontes Relevantes:

Artigos, teses e textos online que analisam O Kybalion, o Hermetismo, suas conexões filosóficas (Idealismo, filosofias orientais), e suas aplicações práticas (meditação, controle mental, formas-pensamento, analogias como sonho e simulação).